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A fotografia e a beleza de ver e ser vista

16.08.2022 • Daniela Klem
6 comentários

O que te faz ver a beleza no cotidiano? Para onde você tem destinado seu olhar? Desde que a fotografia entrou na minha vida, eu me obrigo a exercer a potência do olhar. Banalizamos muito nossas ações cotidianas, mas você já percebeu a potência que é esse exercício? Não digo apenas ver o que está na sua frente, mas, sim, a ação do olhar contemplativo. Olhar para além. Para alguém. Minha escrita surge muito desse dispositivo. De olhar fixamente e deixar o reflexo daquilo que vejo me confrontar. Surte efeito. Nas minhas andanças da vida, nas olhadas para o que o mundo tem para me mostrar, acrescentei o questionamento em tudo aquilo que estava sendo visto, porque não me via, ou não me via do jeito que eu desejava ser vista.

Querendo ou não, o assunto linka um pouco com o meu último post. Mas hoje não quero falar sobre mim. Como numa proposta de indicação e reflexão, trago o trabalho de Helen Salomão.

Helen em autorretrato Fotos: Helen Salomão

Um dos olhares que muito tem me confrontado nos últimos anos. Fotógrafa e poetisa, Helen carrega em si a arte de trazer a beleza do cotidiano, das raízes, das vivências. O que me lembra muito os escritos de Bell Hooks em seu livro Olhares Negros: Raça e Representação. Hooks nos faz perceber algo que antes, pelo menos para mim, não estava tão óbvio: o olhar tem poder e te faz alguém. Mas quem? Trazendo a ideia de uma nova perspectiva, a escritora nos propõe a construção de um olhar opositivo, que subverte o olhar racista e todas as suas produções.

Fiz a leitura desse livro durante o ano de 2021 – aproveito esse espaço para fazer mais uma indicação: leiam Bell Hooks! – e se eu fosse eleger uma artista brasileira que entende esse poder e traz novas narrativas aos nossos olhos através de suas obras, eu diria sem titubear: Helen Salomão.

Série realizada para o álbum Bluesman, do rapper Baco Exu do Blues

Em suas fotografias podemos ver, além de poder e resistência, brasilidade, formas reais, texturas, poesia, história, atração. Atração é um adjetivo bom nesse contexto. Helen tem o poder de me puxar para dentro das histórias escondidas em cada olhar, sorriso, detalhe.

Série fotográfica Raízes Mapas

Pensando bem, a relação com a arte é um tanto de atração, né? Terão aquelas que, analisando de modo totalmente pessoal, estarão carregadas de magnetismo, cheia de símbolos e significados, que capturados pelos seus polos opostos, suas contradições provocativas, te trazem para perto. Por outras, você passa sem nem entender a proposta. E tudo bem. Como disse, é pessoal.

E você, para onde olha?

Essas experiências dependerão de suas relações e tudo o que te atravessou nessa vida. O quanto os signos e símbolos utilizados fazem parte do seu cotidiano. Mas aqui cabe uma crítica. A mim, a você: que símbolos temos olhado? Quem molda o que vemos? O que nosso olhar tem buscado? Helen, além com toda sua sensibilidade, nos convida a repensar o nosso olhar. O chamado é o direcionarmos para o real, para o concreto. Para a beleza natural, para o descobrimento e a aceitação. O pertencimento de quem você é, suas marcas, suas histórias.

No meu ponto de vista, isso é o que deixa a obra de Helen tão rica. Não é sobre idealizações impalpáveis. É sobre os “eus” existentes. O ser negro e suas diversidades. Sobre as ruas e vielas. É sobre o ordinário. Sobre o dia a dia. Sobre eu, você, nós.

Acredito que entre mim, você e Helen, coisas semelhantes já aconteceram. Ela conseguir capturar a essência de tantos com tamanha sensibilidade me faz ficar parada em frente a uma fotografia observando que, além da técnica, existem camadas de vivências estampadas em uma imagem. Não conheço a Helen pessoalmente, mas acho que está aí também a façanha dela ao entregar para o mundo a potência que é o seu olhar: enquanto ela oferece o que vê, também é vista com muita profundidade. Enquanto Helen capta o momento fugaz e traz as camadas do que está sendo visto, vemos partes suas. E num mundo onde, a todo momento, ser visto equivale a ter sucesso, Helen nos ensina o principal: olhar o outro e o que nos cerca nos torna notáveis.

Daniela Klem
Comentários

  1. Gabriela T.  16.08.2022 | 13:15  

    Que lindo, Dani!!! Tô apaixonada na sua escrita e na Helen ♡

  2. Taíse  16.08.2022 | 17:34  

    Mais um texto maravilhoso, amei <3

  3. Gustavo  16.08.2022 | 23:26  

    Amei o texto!!!

  4. Mariucha Souza  19.08.2022 | 10:33  

    Que lindo, Dani!! Não conhecia a Helen!! As fotos que vc trouxe me causaram o mesmo impacto que senti quando vi as fotos do Walter Firmo, que também conheci recentemente e amei.

  5. Ranna  28.11.2022 | 09:18  

    Dani, obrigada por escrever esse post, que presente foi começar a semana conhecendo a Helen. Que mulher incrível!!! Que trabalho incrível!!!